Quando falamos de casos de abuso sexual não é algo fácil, pois nos faz sentirmos frágeis e incapaz, e é exatamente assim que acontece os casos, são pessoas vulneráveis que sofrem abuso

Mas falar de alguém que amamos e que sofreu abuso dói ainda mais, eu sou Ilma Mercado, uma das idealizadoras desse projeto Abuso Sexual Infantil e a autora dos conteúdos postados nesse blog, e hoje vou contar a história da minha mãe.

Minha mãe foi criada na fronteira do Brasil com o Paraguai ela era de origem paraguaia, morava em pequenos vilarejos onde tocavam olaria (lugar que se faz tijolos) era a mais velha dos 10 filhos e ajudava a fazer tudo o que era preciso. Minha avó como era de costume da época era muito rígida e meu a avó era alcoólatra, assim a vida da minha mãe não era nada fácil, precisava trabalhar para ajudar na casa e ainda ajudar a sustentar os irmãos, se não bastasse levava muitas surras constantes por qualquer motivo, segundo ela minha avó era uma paraguaia muito brava. Minha mãe com todo esse cenário tinha muita obediência e ao chegar na adolescência começou a ser molestada pelo meu avô. Casou-se bem cedo tudo indica que era para sair de casa por conta de tanta violência que sofria.

A proteção como forma de prevenção

Em casa com os filhos também foi muito rígida conosco, mas principalmente com as filhas, percebia que sempre estava nos privando e cuidando para que ficássemos sempre aos seus olhos. Quando íamos visitar parentes e amigos nunca deixava a gente ir brincar longe dela e nunca brincar com meninos ou ficar perto dos homens mesmo tios ou parentes.  Mas isso só pude perceber quando por acidente fiquei sabendo que meu avô havia abusado da minha mãe, escutei uma conversa entre parentes e ao e fui procurar saber. Somente aí pude entender todos aqueles cuidados, inclusive o afastamento de nós com o meu avô, nunca ficamos na casa dos meus avós quando éramos pequenos. 

Hoje penso eu tive sorte de ter minha mãe para me proteger, mas não podemos dizer que de certa forma não sofremos, pois com os traumas da minha mãe nos privamos do carinho e atenção dela. Minha mãe era uma pessoa dura e hoje eu entendo que foi por conta de tanto sofrimento.

A dor e falta de acolhimento

Me lembro de várias vezes meu pai se gabar e dizer para minha mãe que ela tinha sorte que ele quis se casar com ela apesar de tudo, como nós não sabíamos de nada ficávamos sem entender porque ele dizia isso. Quanta humilhação ela passou, e ainda era como se ela tivesse culpa, pois era assim que a sociedade machista trata esses assuntos. Minha mãe faleceu em 2017 e só fiquei sabendo da história depois, ela nunca teve coragem de contar pra ninguém foi buscando informação aqui e ali que descobri o ocorrido, mesmo assim tem pessoas da família que ainda querem cobrir a história.

Sei o quanto minha mãe sofreu, e como poderia ter sido bem mais leve se ela tivesse conseguido dividir essa história, mas com certeza não é fácil se hoje com toda liberdade de expressão que a sociedade tem ainda é difícil dividir histórias como essa, imagina em 1958 quando ela tinha seus 13 anos de idade. Com certeza se contasse para minha avó ela não ia acreditar e ainda ia trata-la com muita violência, nessa época a obediência aos pais era incontestável e ela jamais teria coragem de enfrentá-los. 

Fico a imaginar quantas mulheres passaram por isso e por medo, vergonha, ou outras tantas coisas trancaram suas histórias a sete chaves e sofreram caladas sem justiça, sem poder serem ao menos acalentadas

Em memória de minha mãe e as essas mulheres quero deixar aqui apoio e meus sinceros sentimentos, e aos estupradores sejam eles quem forem, pai, tio, irmão ou avô, não importa, deveriam estar na cadeia, e essa seria a primeira coisa para iniciar a cura de quem sofreu uma violência a “justiça”.